segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A Guerra da Restauração

A Guerra da Restauração (1640-1668) foi o mais prolongado conflito militar da história portuguesa e que se arrastou por quase três décadas constitui, ao mesmo tempo, uma evidência e uma meia verdade. Com efeito, como muitos outros prolongados conflitos militares da Europa moderna que, esteve longe de se traduzir a maior parte do tempo num efectivo e intensivo enfrentamento bélico no cenário europeu. Ao contrário do que aconteceu nos diversos territórios coloniais. Mais exactamente, durante  os primeiros dezoito anos, até 1657 quando a situação militar na Catalunha se estabilizou e se pudessem canalizar os recursos da monarquia hispânica para a frente Ocidental, tratou-se de uma guerra de posições essencialmente «defensiva», pautada por dezenas de  pequenas escaramuças na zona fronteiriça, de incursões e de saques levados a cabo por cada uma das partes. E, mesmo depois, observaram-se geralmente, como então era timbre, as tréguas de Inverno e, menos frequentemente, de Verão. Além disso,  os espaços do território continental abrangidos pelo enfretamento bélico estiveram sempre bem confinados (Alentejo e, por vezes, Minho). Mas foram anos prolongados de conflito, sem dúvida, porque pautados pela instabilidade política, pela permanente insegurança que alimentava as traições, supostas ou concretizadas, e até os mais delirantes projectos. A fragilidade dos apoios externos, em larga medida, alimentava todos os temores. Anos de guerra efectiva, enfim, porque estimularam a invovação, designadamente no plano tributário, findos os quais o equilíbrio dos centros de poder da monarquia já não era o mesmo.

      O peso das condicionantes externas no conflito foi decisivo, tanto no despoletar da iniciativa restauracionista, como em toda a evolução ulterior do conflito, desde logo, porque limitaram drasticamente a capacidade de manobra da monarquia hispânica. A guerra que esta sustentava com os holandeses desde 1621 conheceu um revés que afectou a armada em 1639; na primavera de 1640 rebentou a rebelião da Catalunha cujo esmagamento os conselheiros de Filipe IV consideraram sempre prioritário sobre a intervenção na cena portuguesa; a guerra decisiva com a França começara em 1635; e as sublevações de Nápoles e da Sicília rebentariam em 1646. Para além disto, o apoio inicial da França foi fundamental para a causa dos conjurados portugueses, depois negativamente afectada pela morte do Cardeal Richelieu em 1642.  De resto, as primeiras  armas importantes dos habsburgos contra Portugal foram o pouco eficaz bloqueio comercial e, sobretudo, o isolamento diplomático, bastante efectivo e dramático nos seus efeitos. De facto, os «rebeldes» portugueses tardaram a obter o reconhecimento internacional e viram-se preteridos nos grandes acordos (Vestefália e Pirinéus). Apesar das promessas iniciais, o tratado formal com a França não se chegou a assinar. As relações foram até interrompidas, apesar de ter sido nesse contexto, graças à protecção do Marechal Turenne, que se negociou a vinda de Schomberg para Portugal e o casamento de D.Afonso VI. Com a Inglaterra houve também agitadas negociações e peripécias, mas vieram de lá tropas mercenárias, uma aliança matrimonial custosa (D.Catarina, rainha de Inglaterra) e a intermediação para a paz final com Espanha em 1668. Apesar de todos o esforços, só depois desta assinada a Santa Sé restabeleceu relações diplomáticas com Portugal. E não oferece dúvidas que a ligação à Inglaterra foi relevante para o triunfo final da causa restauracionista.

Importa acentuar que, particularmente no período de trégua tácita de 1647-1656, a Restauração foi bem mais activa no espaço colonial do que no continente Europeu. E terminou, como se narra em outra parte, com um difícil triunfo sobre os holandeses no Brasil e em Angola e com uma recuperação apenas parcial no Oriente (perda de Ceilão). De resto, as relações com os holandeses foram sempre marcadas pela tensão entre os objectos das partes no continente e os que prosseguiam nas colónias.

De alguma forma, é só então que a guerra se desenrola em plenitude no cenário europeu. Nas fases iniciais do conflito houve apenas algumas acções ofensivas, escassas no conjunto, como a que se traduziu na vitória portuguesa no Montijo (1644). Mas com a estabilização da Catalunha e o fim do conflito com França (1659), os recursos da  monarquia  Hispânica são finalmente canalizados para a guerra com Portugal. A batalha da Linhas de Elvas (1659) antecede a entrada na fase decisiva da guerra, aquela que foi mais celebrada pela posteridade e associada à influência do Conde de Schomberg e à capacidade organizativa do 3ºConde de Castelo Melhor. As vitórias portuguesas do Ameixial (1663), Castelo Rodrigo (1664) e Montes Claros (1665) praticamente encerram o conflito apesar da paz só ser assinada em 1668.

A imagem heróica da guerra da restauração vista por aqueles que a venceram foi fixada para a posteridade pelo 3ºConde da Ericeira.  No entanto, mesmo se as tropas mobilizadas chegaram  a ultrapassar os 15.000 efectivos de infantaria e os 5.000 de cavalaria, a verdade «o exército que o rei dos portugueses pode reunir é (…) uma amálgama de forças permanentes e de forças “milicianas”, chamadas em situações de perigo» (F.D. Costa). Para além das dificuldades financeiras permanentes, as insuficiências do recrutamento militar foram sempre enfrentadas com grandes dificuldades. E a incapacidade crónica das ordenanças nesse terreno conduziu recorrentemente às violentas levas de homens e ao levantamento de homens feito pelos capitães e senhores por sua conta. A vitória de 1668 não foi apenas a da nova dinastia que consagrava a autonomia do reino de Portugal, mas também a da elite aristocrática que se destacou na guerra e onde pontificam, entre tantas outras, figuras de chefes militares como as do 1ºConde de Vila Flor ou do 3ºConde de Cantanhede, feito 1ºMarquês de Marialva. A guerra e a vitória final consagrariam durante mais de um século o pacto entre a dinastia e a aristocracia que a sustentara pelas armas.